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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Charcos

 




Eis retratos de Vida...
...Flores que teimam nascer, crescer no meio do pântano.
O odor nauseabundo e putrefacto de água contaminada vinda do mais recatado e esconso canto não as amedronta...
...E florescem num desafio ao belo e ao horrível...
...E a cor desafia as borbulhas enquistadas que se soltam do ventre das águas...
...E o encanto permanece lá, no amarelo... e a flor é igual a ela própria: Linda!
Não perdeu, nem brilho, nem encanto, nem cor, nem admiração!
Tornou-se mais ela, mais flor...
E...Flores e... as flores teimam em florir nos charcos podres, numa espécie de purificação.
Vida ou morte...desejo ou ambição...guerra ou paz...

Olhasse a Humanidade  para os lírios dos charcos e vissem neles o antagonismo entre a graça e os desgraçados , a beleza e a presa. 

Ah! maravilhoso e enigmático mundo este!..
(reeditado)


Imagem e texto de
Manuela Barroso

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

O Merlo: Amor e Sedução


Cada vez que os ouço, mais admiro o seu carácter, o seu instinto protector, a sua altivez sadia

      Como amante envolvente, cuida da casa, protege a companheira, vigiando-a, protegendo-a.

...ele é porventura o mais sedutor “gentleman” da população da sua espécie, no seu fato de cerimónia e seu bico de um amarelo de ouro, digno de um rei. 



O Merlo: O Sedutor amoroso

Quando vagueio por espaços sombrios, há um sobressalto em cada golpe de asa. Ou é um verdilhão que me desafia com os seus trinados, ou o adorável pisco que me acompanha, arrepiando-me com o seu canto. E quanto mais falo para as copas escondidas, mais me ele me provoca com uma redobrada sinfonia a uma só voz.

Mas quero falar do melro.
Ladino, com a velocidade de um jacto e a provocação de um perfeito D. Juan, ele é porventura o mais sedutor “gentleman” da população da sua espécie, no seu fato de cerimónia e seu bico de um amarelo de ouro, digno de um rei. Os seus gorjeios estridentes e atrevidos nada mais são senão avisos de que ali é condomínio fechado...
Como amante envolvente, cuida da casa, protege a companheira, vigiando-a, protegendo-a.
Habituada a ver os ninhos  das cantadeiras  ceresinas nos valados ou nas latadas em flor é vulgar assustar-me com uma fuga inesperada de um pássaro negro das laranjeiras ou por entre as silvas .

Não muito longe no tempo, um destes meus sedutores fez ninho num arbusto de hibiscos junto à entrada principal. Todos os dias guardava os principezinhos no encantamento da fragilidade da sua penugem. 
Porém, uma tarde, quando todas as aves se recolhem quando aparece Vénus e vendo a serenidade do ninho e ausência do general, pé ante pé, aproximo-me do ninho.
Os filhotes, sentindo o perigo ensaiaram uma gritaria que alertando os pais que dormitavam num pinheiro do jardim "mesmo ali"... descem em voo picado em silvos furiosos e assustados, rasando o meu rosto e cabelo em piruetas agressivas. 
Longe de imaginar tal investida, bati em retirada antes que levasse uma bicada nos olhos...

Cada vez que os ouço, mais admiro o seu carácter, o seu instinto protector de amor e espaço, a sua altivez sadia, a sua garra, o seu hino às manhãs azuis ou cinzentas e o seu smoking festivo porque afinal a vida é sempre uma festa.
E ainda hoje sorrio interiormente pela fuga pensando que só o Homem "pensa"

O tempo passa. Os gostos mudam. Mas como seria tão melhor se na sociedade houvesse- no melhor sentido-  mais melros: amorosos, protectores,  honestos , gentlemans.


Texto e imagens de 
Manuela Barroso